segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Sobre Coisas de Finesse em Psicanálise e O Intruso: Uma Psicanálise do Corpo


Jorge Forbes rege seu ensino com o estilo e a clareza que lhe são singulares. O modo com que articula sua fala soa sempre como uma novidade aos ouvintes, assíduos às atividades que realizamos com a presença dele.


Propõe questões agudas, tão urgentes, quanto necessárias ao avanço da prática clínica, bem como à inserção da psicanálise no mundo contemporâneo.

Ele dá consequências ao que nos acostumamos a enunciar sobre a psicanálise, convocando cada um a esvaziar os conceitos-mestres desgastados pela inércia da repetição, mais especificamente, ele nos convida a assumir os riscos de uma forma criativa de dizer, evitando formalidades desnecessárias ao bom uso da palavra.

Além disso, trata com o rigor necessário a reengenharia proposta por Jaques-Alain Miller, demonstrando que a segunda clínica de Lacan é possível, desde que renovada, e, portanto, distante de protocolos e pretensões herméticas.

Quando “vai para pouso”, sua maneira de dizer que está encerrando sua conferência, o que foi trabalhado por ele, já está causando ressonâncias no que nos diz respeito como analisantes e como analistas. Sobra sempre um corpo tocado que, inquieto, quer fazer disso ato, algo que faça mover a clínica e que ecoe, mais adiante, em nossas vidas.

Jorge transmite Lacan sem explicar Lacan.

Passo a alguns pontos essenciais de sua fala, lembrando que ele se utilizou da aula XII, Coisas de Finesse, de Jacques-Allain Miller, na primeira, e do texto O Intruso, de Jean-Luc Nancy, na segunda.

• Ele ressalta que com Coisas de Finesse, Jaques-Alain Miller está propondo o abandono de uma visão monocromática da psicanálise. Finesse diz respeito ao que não é formal, ao que não está escrito, e que, portanto, não responde aos protocolos.

• Coloca em questão a idéia da entrada em análise corresponder a uma revelação, já que, nessa vertente uma cena leva à outra, que necessariamente conduz à uma próxima. Aqui estamos no âmbito da verdade; permanecer nesse campo limita a nossa prática, tendo em vista, que o gozo não está mais encapsulado no fantasma; ele não pode ser dito pela língua do Outro.

• O gozo está em curto-circuito, não pode mais ser negativizado, está difuso, em todo lugar.

• Dar o peso devido à segunda clínica é dizer que numa análise não há que se perseguir uma verdade, mas acentuar o que Lacan diz em Yale sobre uma análise terminar quando um sujeito pensa que está feliz na vida. Isso se articula a um funcionamento prazeroso, o que significa mudar o modo de funcionar e não mais o modo de pensar. Nesse sentido, a satisfação do falasser, ou loquente, equivale a estar feliz na vida.

• Lembra que uma de suas principais referências teóricas sobre a felicidade é a de Giorgio Agambem, de seu livro Profanações, onde ele trabalha que a felicidade não é uma questão de merecimento.

• Faz a seguinte articulação:

corpo falante ◊ mistério ◊ felicidade ◊ acontecimento do corpo.

Outra forma de inscrever algo do inesperado, ou do real que não se entrega ao semblante.

• Jorge diz: “o sinthoma, isso funciona”, apontando que, nesta frase, a relevância deve ser dada à palavra funciona, tendo em vista que é o funcionamento que deve sofrer uma reengenharia na experiência analítica.

• Localizar a segunda clínica a partir dessa perspectiva impõe uma mudança no que concerne a psicopatologia.

• Pensa que foram necessidades clínicas que levaram Lacan a um reposicionamento, segundo ele, Lacan foi sensível a imperativos éticos em sua prática, de por o saber em outro lugar. Para ele uma palavra não mais escondia outra palavra. Ele dizia simplesmente: “o fato de o senhor dizê-lo não o impede de sê-lo”.

• De acordo com Lacan, em L’Etourdit, numa análise espera-se que uma pessoa se livre de seus mitos, suas ficções, para fazer uma nova fixão do Real.

• A segunda clínica não é demonstrável, por conseguinte, não matematizável. Lacan não tinha nenhuma esperança de matematizar o corpo. O real se dá à mostração e não à demonstração.

• Enfim, a verdade é algo que se demonstra, enquanto a certeza é algo que se mostra.

• Há uma oposição entre insight e o falasser, esta última palavra Jorge prefere traduzir para loquente. O insight diz respeito ao sujeito do significante e o loquente ao corpo que goza.

• Quando Lacan diz que todos deliram, equivale a dizer que a verdade não está mais no princípio da psicanálise.

• A partir da leitura do texto O Intruso, Jorge pede para que as pessoas façam seus comentários sem se prenderem a detalhes irrelevantes. Após uma discussão interessante e profícua, chega-se a conclusão de que Jean-Luc Nancy modifica sua maneira de funcionar: “Mas, quando esse pensamento me atravessa, compreendo que não tenho mais um intruso em mim: me tornei um, é como intruso que freqüento o mundo no qual a minha presença poderia ser por demais artificial ou pouco legítima” (Nancy, 2005).

• Jorge apresenta uma leitura do texto de Jean-Luc feita por Maria Helena Barbosa, da qual destaco um fragmento sobre o que ela apreende como o sinthoma: “Tal consciência não seria de forma banal aquela da minha singelíssima contingência? ... Esse pensamento traz uma alegria singular” (pg 16, 17).

• Discutimos ainda, que poder-se-ia considerar essa alegria singular como a felicidade do final de análise.

• O intruso de Jean-Luc, ou o estranho de Freud, o mais estranho-familiar em nós, é aquilo que não tem nome e nunca terá. Nas magníficas palavras de Pierre Rey: “Instalar-me no provisório que eu mesmo havia construído”.

• Por fim, Jorge coloca duas questões para o público responder imediatamente, insistindo acerca da responsabilidade das respostas que um analista pode dar ao mundo.

• As perguntas são as seguintes:

1 - “Podemos ou não fazer experiências científicas com células-tronco embrionárias?” Aqui, ele ressalta que a ciência, paradoxalmente, não se justifica cientificamente.

2 - “Quem está de acordo com gerar clones a partir de uma célula somática, para se valer de tecidos especializados?”

• Pelo impacto causado nas pessoas presentes, Jorge demonstra o que ele já havia escrito em seu texto Dez Aforismos pela Vida: “temos posições diferentes e pouco flexíveis sobre quando começa a vida”.

• Quando começa a vida é uma questão ética, em um mundo sem garantias, onde há um declínio de Deus e do saber como protocolado.

Após esse intenso trabalho, fica o nosso desejo de um novo encontro.

A Delegação MS/MT o abraça e agradece por tudo o que nos tem ensinado.



Conferências de Jorge Forbes em Campo Grande-MS nos dias 11 e 12 de setembro de 2009




Sinopse por Carla Serles

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