Lacan não criou um conjunto de conceitos que determinassem um "status quo" da psicanálise. Ao seu estilo, empreendeu um constante debate com o que poderia ser elevado à categoria de uma prática estática e empobrecida pela verdade: “O erro consiste na idéia de falar para que idiotas me compreendam”. .. ”Falo para aqueles que entendem do riscado, para os não idiotas, supostos analistas” (recorte feito por Carlos Genaro do texto abaixo mencionado).
Ele projetou alguns fragmentos da conferência de Lacan em Caracas e uma parte de Televisão para trabalhar, de forma criativa, a primeira parte do texto Televisão que se encontra nos Outros Escritos de Jacques Lacan.
O ensino de Carlos Genaro adquire cada vez mais leveza, tornando-se mais claro e produzindo uma sonoridade que ecoa suave aos ouvidos interessados, enquanto suas palavras alcançam mais peso e precisão.
Seu estilo é marcado pela inventividade, sendo que a cada encontro ele nos contempla com a arte, que maneja com a maestria dos que sabem como Freud, reconhecer que o artista sempre precede o analista.
Não raramente, ele brinca com os significantes de modo a tornar poética a sua própria transmissão.
Ainda, partindo do texto, ele diz que não há uma separação entre corpo e alma e insiste que o que há é um corpo, um corpo recortado pelo significante.
Dito desse modo, convém lembrar a diferença da primeira clínica de Lacan onde o corpo não era considerado na experiência analítica, já que o sujeito é efeito do significante, e, portanto, o que interessa ao analista é o inconsciente estruturado como uma linguagem.
Carlos Genaro avança, comentando que pela via do imaginário damos unidade ao corpo: ”meu corpo”, separado do corpo da mãe, no entanto, essa unidade é sempre discutível, já que, o corpo entrelaçado no significante é corpo que se atrapalha, inclusive, no que diz respeito às suas fronteiras.
Assim, em inúmeras situações não sabemos onde termina o próprio corpo e começa o outro. No amor podemos cantar o outro como um pedaço de nós. Um filho pode ser sentido como uma parte nossa, inseparável, quiçá, insuportavelmente inseparável.
Dessa mudança de perspectiva, de uma clínica à outra, pode se ler o Édipo como um longo processo de separação para uma possível aceitação de um corpo, fora do corpo materno. Em poucas palavras: separar-se da mãe e ser um. Em decorrência da forma como consente em tornar-se um, a criança inaugura a possibilidade de expandir-se na língua, habitar o mundo e aprender.
A partir de um recorte de um caso clínico, ele diz que o psiquismo, não é capaz de criar um câncer, mas o sujeito pode posicionar-se de uma forma “cancerosa” frente ao que lhe ocorre, isso equivale a um gozo puramente autista que implica o corpo.
Cabe aos analistas saberem que o que está cifrado no sintoma é o gozo e que quando o real é submetido ao signo ele mente, consequentemente, cria neurose, perversão e psicose.
O que se pode esperar de uma análise?
Eis uma questão aguda, que convoca os analistas a serem lacanianos. Talvez por isso, a imagem de Lacan falando da psicanálise seja tão tocante, tão emocionante!
Como diz Carlos Genaro: ”ele é um ator, ele atua”, sendo que sua “performance” marca a virulência, ou conforme Jacques Alain Miller, em Coisas de Fineza, a erótica com que trata isso que nos é tão caro.
Enfim, uma das conclusões sobre essa pergunta: ”Há um momento em que os nós se desatam e a pessoa faz um novo laço: o sinthoma”
Com essa frase Carlos Genaro encerra, ou melhor, ele faz um corte, já que aí mesmo se inaugura a espera de seu próximo seminário.
A Delegação MS-MT agradece a esse homem que há anos vem se dedicando incansavelmente, não só, a transmissão, mas a nossa formação que prima pelo rigor lacaniano e pela vivacidade da psicanálise.
Comentários: Carla Serles
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