O conceito de “cura” pressupõe um ideal a ser atingido, um anormal a ser corrigido. Uma verdade a ser revelada. O tratamento analítico começa por aí. É como se a verdade finalmente seria revelada. Mas a cura se insere no universal para todos. Como instituir o singular de cada um?
A experiência analítica afasta-se do padrão. Quando um Sujeito procura o analista é convidado a se submeter a uma experiência ou ao não experimentado ainda.
A idéia inicial, a da associação livre, é dizer tudo que lhe vem à mente, acreditando encontrar a verdade. Então investigamos, e pedimos que “fale” livremente.
Constitui a regra fundamental. Um tropeço na fala não é um erro, mas tem pleno valor, por isso é fundamental, também, que o analisante se corrija, desdizendo o que disse.
Entretanto, a verdade parece estar comprometida, pois o que o analisante afirma hoje pode ser diferente do que afirmará amanhã. Enquanto estivermos no campo da linguagem a verdade muda, a verdade nem sempre é a mesma. A essa variabilidade da verdade, a nomeamos como “verdade mentirosa”.
Por isso Lacan foi pesquisar na lógica matemática, pois as fórmulas matemáticas dizem o que é, com suas pequenas letras.
“Como obter o real, além da busca da verdade?”
Freud – busca a verdade.
Lacan – sinaliza para o real.
Com Freud o sintoma levado para a análise era interpretado, buscava-se o sentido, logo, no campo da linguagem ele estaria resolvido; mas Freud descobre que isto não bastava, e chamou este fenômeno de reação terapêutica negativa, ou seja, há algo que resta. Há restos sintomáticos.
Isto já era perceptível na experiência clínica dele. Com Lacan isto ganha até novos contornos. Até no passe. O sujeito que passou ainda retorna a análise, como constatamos em muitos casos.
A psicanálise tem sempre algo de inquietante. Ela aponta para um mais além da normalidade, mais além do universal edípico que ganha dimensão apenas relativa.
Superação do saber
De “letter para litter”, Lacan introduz dessa forma a idéia da letra, a letra não tem saber colado nela. A letra não diz nada, não diz nada sobre a verdade. Genaro lê trechos do texto “Lituraterra” de Jacques Lacan no livro “Outros escritos” para mostrar onde a psicanálise faz furo.
Quando denunciamos o furo no saber, que apesar da interpretação o sintoma continua; que no inconsciente há um furo; isso não é uma falha no saber, é uma questão de estrutura.
Na segunda clínica é a clínica do resto incurável, do furo, do resto. O resto sintomático que permanece apesar da interpretação.
Nossa clínica não pode alimentar o sentido. Buscamos o que se precipita como não sabido quando o sentido é constituído. Se precipita como Real quando o Simbólico parece dizer tudo.
As interpretações deixam de apontar pra o sentido escondido e se transmutam em enigmas e em sem sentido.
É exatamente nisto que a experiência analítica se afasta do padrão psicoterapêutico.
Assim Genaro encerra sua aula, e lembrando que no próximo encontro continuará com base na Lição VI do seminário de Jacques Allain-Miller “ Obra de Lacan” e também com “Lituraterra” texto de Lacan presente nos “Outros escritos”.
Sinopse de Fernanda Fernandes (versão revisada por Carlos Genaro)
Curso: O efeito de uma análise de 02. 09. 11 - por Carlos Genaro Gauto Fernandez