Transamérica é um título feliz para um road-movie que mostra o drama de identidade vivido por um transexual.
Stanley, ou melhor, “Bree”, o (a) protagonista, não é um homem que gosta de outros homens; tampouco ele é um travesti que goza de parecer mulher, mas goza também do seu órgão sexual. Bree tem certeza de que é uma mulher no corpo de um homem.
Talvez mais do que as mulheres do sexo feminino, Bree acredita saber o que é preciso para ser mulher. Essa questão não é tão simples de responder. Já sabemos que não se trata de ter ou não um pênis. Não é isso que garante a identidade sexual.
O grande debate dos anos trinta, que fomentava as discussões nos meios psicanalíticos, versava sobre o que é e o que quer uma mulher, questão sobre a qual Freud já havia se interrogado. Freud e Ernest Jones divergiam sobre a natureza da feminilidade. A mulher nasce ou é feita? É “born”, dizia Jones; é “made”, respondia Freud. Nada do que pensamos ser do domínio da feminilidade dá conta do que é ser uma mulher. É ser mãe? Não. Não há nada mais fálico para uma mulher do que um filho; a histeria, tão comum entre as mulheres, sobretudo na época, é uma posição masculina, ancora-se numa reivindicação fálica.
Bree sente-se mulher, comporta-se como uma mulher, usa o nome de mulher, educa a voz para falar no timbre de uma mulher, veste-se e cuida-se como uma mulher, ou seja, faz semblante de mulher. Ser homem ou mulher está no registro do semblante. Entretanto, para Bree, o seu pênis encontra-se ali, como um estorvo, objeto de nojo, um pedaço de carne entre as suas pernas que não pode ser erotizado. O seu pênis não é elevado à dignidade de falo. Mas ausência do pênis (made ou born) também não garante que ali há uma mulher.
Bree solicita a transformação cirúrgica por ter a certeza de que a sua identidade não corresponde ao seu sexo biológico. Sabemos que a ciência oferece resposta para o mal-estar do sujeito com relação ao corpo, através das cirurgias plásticas e do uso de hormônios. As intervenções cirúrgicas resolvem no real da carne o que antes era o incontornável biológico com o qual o sujeito tinha que se haver. Descartado o objeto indesejado, supõe-se colocar em conformidade sexo e gênero, ou seja, anatomia e identidade sexual.