Carlos Genaro Gauto Fernández, logo depois do seu curso “Por um psicanalista digno da psicanálise” (ministrado de Janeiro à Março de 2011), inicia o curso em “Os efeitos de uma análise” na Delegação Geral, MS - MT.
Genaro propõe: qual é o efeito real que se procura numa análise? Com isso nos faz questões, mais que isso, nos traz inquietações, questionando: De que real se trata? O significante cria um real? O que é a transcendência de uma análise? É possível passar do significante ao Real?
Em sua primeira aula, expõe suas reflexões de maneira leve e descontraída, com fragmentos de caso clínico, história de vida, notícias atuais, e principalmente nos aproximando de Jaques Alain Miller, tanto trabalhando seu curso atual “Obra de Lacan”, como também algo da sua história com a psicanálise, fomentando assim discussões e questões aos participantes.
Um psicanalista digno da psicanálise é aquele que transmite o real a seu analisante, mas de que real se trata? É este real presente a todo o momento, principalmente na última quinta feira, após o massacre ocorrido em uma escola na cidade do Rio de Janeiro, em que doze crianças foram mortas e outras feridas a esmo por um assassino, e sem motivos aparente? O evento é um fato real da realidade, mas seu sentido permanece Real, na vertente lacaniana, pois nenhum sistema explicativo lhe dá um sentido preciso.
O real que nunca mente, é diferente do real da realidade, seja em uma tragédia ou noutro evento, consiste em não conseguir dar uma explicação simbólica. Quanto ao acontecimento da escola em Realengo, embora imprevisível e repulsivo, admitamos que a morte de civis e inocentes não é raridade na nossa dita civilização cristã/ocidental. Se pensarmos nas motivações deste assassino, isso nos conduz a refletir sobre o normal e o patológico. A psicologia em geral parte do pressuposto de que o psiquismo é normal naturalmente e a psicanálise sabe que o simbólico introduz uma des - naturalização do suposto normal.
A psicanálise sabe que só porque há dificuldade em distinguir o que é imagem e o que é fantasia, o sujeito humano já não se enquadra claramente na normalidade. Vivemos em um mundo de representações, por exemplo, quando um paciente traz um sonho, conversas, situações... O que importa ao analista é o relato deste, e não a veracidade dos fatos.
Retornando aos “Efeitos de uma análise”, pensamos que se há efeito há causa. O efeito de uma análise questiona os efeitos de uma causa. O objeto a causa alguma coisa. Jacques- Alain Miller está trabalhando a noção de causa em seu curso, ao tratar da vida e obra de Lacan. E nós o acompanhamos.
Genaro aponta a importância deste momento, em que ao terminar de transcrever os seminários de Jacques Lacan, Miller permite que observemos a totalidade do seu ensino, uma visão conjunta, uma espécie de arquitetura da transmissão de Lacan. É possível relacionar e confrontar o dito (O Seminário) com o Escrito; por exemplo: o Seminário As psicoses com o texto “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”, o Seminário As formações do inconsciente com o texto “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano”; não que não fosse realizado antes, mas talvez não com aquela acuidade requerida.
Genaro faz um elogio a Jacques - Alain Miller, tanto aos anos de dedicação à psicanálise, como a sua forma clara de transmiti-la. Compara o excelente professor que é Miller ao excelente clínico que foi Lacan. Em nenhum momento Lacan nomeou de teoria ou obra seus seminários e escritos, e sim de ensino, mostrando um constante “work in progress”, o que permite aos interessados a sempre esperar algo mais, o novo. Lacan trabalha seus ensinamentos exigindo sempre algo a mais de seus leitores, “quero que o leitor ponha algo de si” diz na Abertura dos Escritos. Em seus seminários ele se debatia consigo mesmo, fabricava o saber, elaborava o saber, havia uma satisfação, um gozo singular dele.
Pensando em um contexto histórico, a partir de J. – A Miller, Genaro faz referência a dois filósofos:
- Descartes, com sua construção teórica através da dúvida hiperbólica.
-Kant, que estabelece uma distinção entre “a coisa em si”, da qual nada pode ser dito e “a coisa para si”, que existe em função da minha percepção subjetiva, a realidade.
Isto para mostrar que o ponto de partida filosófico de Lacan, pode ser o idealismo kantiano, na leitura de Miller, para pensar as representações. A psicanálise é feita de representações. A psicanálise trabalhando a estrutura inconsciente, se sustentava na hipótese de haver um significante que regeria todos os outros, o significante Nome-Do-Pai, mas Lacan pluraliza o Nome-Do-Pai, com isso não há o que garanta, não há um índice de verdade e de correspondência entre o Real e a representação.
O que nós temos é uma estrutura desde o início, uma estrutura de linguagem, ou seja, um termo vale em relação/comparação a outro. Estamos no mundo da linguagem, a estrutura da linguagem e é vazia. Não tem função arquetípica. Cabe a cada um preenchê-la de forma singular. Esta estrutura é Real.
O real que nós carregamos inicialmente é a estrutura do inconsciente, ela não se altera, e retorna sempre ao mesmo lugar.
Assim Carlos Genaro encerra sua fala, não com um ponto final, mas com reticências indicando os próximos capítulos.
Sinopse de Fernanda Fernandes.
(*) Revisada por Carlos Genaro Gauto Fernández)